1. Introdução
O Sistema Termodinâmico de Monitoramento de Fontes (STMF) é uma abordagem inovadora para o acompanhamento em tempo real do processo de Depleção Natural da Zona da Fonte (NSZD) de áreas contaminadas por hidrocarbonetos de petróleo e derivados. Essa tecnologia oferece uma alternativa eficaz e de menor custo para o monitoramento dessas áreas, promovendo a sustentabilidade ambiental na cadeia produtiva das indústrias de petróleo, gás natural e biocombustíveis.
O princípio central do STMF é demonstrar o decaimento na concentração e massa de LNAPL na zona da fonte de contaminação em função de múltiplos processos naturais de degradação in situ ao longo do tempo. Seu desenvolvimento baseou-se em estudos científicos (SWEENEY; RIRIE, 2014; WARREN; BEKINS, 2015; KULKARNI et al., 2017) que demonstraram que a biodegradação do LNAPL provoca alterações no perfil de temperatura do subsolo, possibilitando a criação de modelos que quantificam o NSZD por meio do monitoramento térmico.
Além de aprimorar a eficiência na gestão de áreas contaminadas e reduzir os custos de monitoramento a longo prazo, o STMF destaca-se por sua tecnologia de baixa intervenção ambiental. Ele oferece monitoramento contínuo e em tempo real dos processos de biodegradação, fornecendo dados para a compreensão do comportamento dos contaminantes e para o gerenciamento de áreas impactadas.
Dessa forma, o STMF promove o desenvolvimento sustentável na cadeia produtiva das indústrias de petróleo, gás natural e biocombustíveis, alinhando-se às demandas por práticas mais responsáveis e ambientalmente conscientes.
2. Modelamento matemático
Apesar das evidências científicas indicarem que o acréscimo da temperatura na região da fonte de contaminação está associado com a perda de massa de LNAPL por processos de biodegradação, havia a necessidade do aprimoramento dos modelos matemáticos que relacionam a temperatura com esses processos. Nesse contexto, Peres, Schneider, Giachini e Souza (2019) desenvolveram um novo modelo matemático para representar a perda de massa de hidrocarbonetos pela biodegradação por meio do monitoramento térmico da zona da fonte.
O desenvolvimento do modelo matemático proposto partiu do princípio que o calor liberado na fonte de contaminação seria monitorado por meio de uma rede de sensores de temperatura e umidade distribuídos verticalmente sobre a fonte, a fim de captar as anomalias térmicas resultantes do processo de biodegradação. Os valores de temperatura e umidade medidos nos sensores foram atribuídos aos “nós” localizados nas profundidades de medição. Igualmente, os valores de capacidade e condutividade térmica calculados foram atribuídos aos mesmos nós. Utilizando o modelo de fluxo térmico baseado na compreensão da física do sistema, o algoritmo avaliou a densidade de calor gerado nos nós (em kJ/m³) e, em sequência, integrou os dados para toda a estação de monitoramento, encontrando a densidade de calor por unidade de área (em kJ/m²). Tais valores puderam ser posteriormente integrados por meio de métodos geoestatísticos, de modo a obter uma estimativa da biodegradação para a área de estudo como um todo.
A definição de uma nova formulação matemática por Peres et al. (2019) para a quantificação da biodegradação em função da mensuração da temperatura, teve como ponto de partida dois modelos descritos na literatura: o de Warren e Bekins (2015) e o de Stockwell (2015). O modelo proposto partiu de simplificações da equação:
modificado de Saito, Šimůnek e Mohanty (2006), mas assumindo a correção da temperatura. Ambos os modelos consideram que o incremento pontual da temperatura pode ser causado pela oxidação do metano produzido no processo de biodegradação. Consideram também que a taxa de biodegradação pode ser obtida pela razão entre o fluxo de calor gerado pela biodegradação (calculado pela Lei de Fourier) e a energia de reação (uma constante). A partir das relações termodinâmicas espaciais e temporais, o novo modelo proposto considera que o fluxo de calor gerado pela biodegradação (qbiod jk) é equacionado pela seguinte formulação:
em que Tc é a temperatura corrigida (descontando a influência da atmosfera), λ é a condutividade térmica do meio, z representa o eixo coordenado vertical, Cw é a condutividade térmica da água e vkw,z é a velocidade vertical da água no solo (no caso da zona saturada).
Reescrevendo a equação em função do fluxo de calor gerado pela biodegradação (qbiod jk), temos o modelo matemático proposto:
A comparação do novo modelo matemático de conversão de calor em taxa de biodegradação com os modelos de Warren e Bekins (2015) e Stockwell (2015), demonstrou que os modelos desses autores foram pouco eficientes na quantificação do calor liberado pela fonte de contaminação, superestimando o calor medido em 30 e 51%, respectivamente. Já o novo modelo desenvolvido por Peres et al. (2019) subestimou em apenas 10% o calor medido na fonte, em termos de fluxo de calor. O principal diferencial deste modelo matemático foi a inclusão da variabilidade vertical dos parâmetros térmicos do meio, favorecendo a mensuração do fluxo de calor e fornecendo maior confiabilidade à formulação desenvolvida. Sendo assim, os resultados obtidos com o novo modelo matemático serviram de base para o desenvolvimento do Sistema de Monitoramento de Fontes (STMF).
(*) Para mais detalhes sobre o desenvolvimento do modelo matemático, leia o documento na íntegra:
3. Projeto conceitual e detalhado
O projeto conceitual do produto está relacionado à criação, representação e seleção de soluções para o problema de projeto. Para isso, a arquitetura do produto (SSC – sistemas, subsistemas e componentes) foi definida e analisada considerando as funcionalidades dos seus sistemas, subsistemas e componentes, incluindo funções ergonômicas e estéticas. Além disso, foram definidos os aspectos críticos do produto, ou seja, seus parâmetros principais, tais como seu formato, materiais, dimensões e capacidades. Por fim, foram desenvolvidos desenhos e/ou modelagens preliminares da estrutura do hardware, para subsidiar o projeto detalhado de manufatura.
O projeto detalhado compreende uma etapa posterior, na qual é realizada o detalhamento técnico do produto. O projeto detalhado foi desenvolvido com base nos resultados obtidos na elaboração do projeto conceitual, contemplando:
- Objetivos do protótipo: finalidade do produto, as características técnicas e as expectativas de desempenho.
- Especificações técnicas: especificações técnicas detalhadas, que descrevem as dimensões do produto, os materiais a serem utilizados, as tolerâncias dimensionais, as características físicas e mecânicas, e outras informações relevantes.
- Desenho do produto: desenhos técnicos detalhados do produto, descrição da geometria, a forma, o tamanho e as características de cada componente do produto.
- Processo de fabricação do lote piloto: etapas de produção, os equipamentos e ferramentas necessários, e as instruções detalhadas para a montagem e instalação dos componentes.
- Plano de controle de qualidade: etapas de inspeção, os procedimentos de teste, e os critérios de aceitação para o produto final.
- Plano de testes: as condições de teste, os procedimentos de teste, e os critérios de aceitação para o produto. O plano de testes foi baseado nos objetivos do protótipo e nas especificações técnicas do produto.
- Orçamento: levantamento de custos de produção e tempo de fabricação.
- Cronograma de produção: descrição das etapas do processo de fabricação, as datas de início e término de cada etapa, e as atividades críticas que devem ser concluídas para que o protótipo seja entregue dentro do prazo estabelecido.
4. Desenvolvimento do protótipo
Os resultados obtidos com o novo modelo matemático colaboraram para o desenvolvimento de um conjunto de hardware e software de aquisição de dados de áreas contaminadas, para acompanhar a taxa de remoção de massa de LNAPL por biodegradação. Essa ferramenta serviu como base para o desenvolvimento do STMF e foi, inicialmente, instalada em uma área experimental da Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis- SC) para uma fase inicial de testes e calibração, a partir do monitoramento de uma fonte de contaminação artificial. Com o conhecimento adquirido ao longo do monitoramento e da análise de dados das ferramentas testadas, prosseguiu-se para o desenvolvimento de protótipos para aplicação em campo.
Nessa etapa, iniciou-se o desenvolvimento do software com interface gráfica ao usuário para a análise e processamento de dados levantados, de forma a retornar estimativas da taxa de decomposição dos hidrocarbonetos. Os protótipos desenvolvidos foram equipados com uma série de transdutores de temperatura, além de transdutores para obtenção das condições meteorológicas e concentração de gases. Para viabilizar a aplicação do método em regiões contaminadas, um sistema de alimentação por meio de uma placa solar foi integrado aos protótipos, assim como um sistema de telemetria que encaminha os dados coletados para um servidor.
A versão final do protótipo incorporou três aplicativos: um software embarcado para armazenar os dados medidos e transmiti-los através de um sistema de rádio frequência (RF); um software de processamento para o processamento de dados e apresentação de uma estimativa temporal da taxa de depleção dos hidrocarbonetos de petróleo; e um software de visualização, responsável por permitir o acesso remoto às informações por computadores autorizados conectados à internet.
A avaliação do protótipo em campo ocorreu na Refinaria de Paulínia (REPLAN), em São Paulo, e resultou em melhorias no software, tanto no back-end, para aprimorar a interpretação dos dados monitorados, quanto no front-end, visando proporcionar uma experiência de navegação mais intuitiva e a criação de um APP Mobile. A integração de novos sensores possibilitou a ampliação do monitoramento de diversas variáveis ambientais. Houve também o desenvolvimento de um sistema de autenticação para o controle de acesso de usuários para acesso ao sistema web, trazendo maior controle e segurança às informações de monitoramento.
Para as medições de temperatura, o hardware é composto por três estações de medição; cada uma com a configuração padrão de duas sondas equipadas com quatro sensores de temperatura; dispostas em um arranjo triangular no subsolo. Com base na diferença de temperatura entre os quatro pontos por sonda, calcula-se um vetor de fluxo de calor.
Novamente, foram instaladas 03 (três) unidades do STMF na Fazenda Experimental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com sondas implementadas na configuração horizontal com células de fluxo de calor, com o objetivo de coletar dados que possibilitassem aprimorar a modelagem matemática associada ao sistema. Além disso, foram realizados testes em quatro diferentes áreas, localizadas na REPAR (PR), Miguel Pereira (RJ), RECAP (SP) e REPLAN (SP), cujos resultados encontram-se descritos no Tópico 5.
5. Aplicação e validação em campo
A validação do STMF em campo foi realizada em quatro áreas distintas: REPAR (PR), RECAP (SP), Miguel Pereira (RJ) e REPLAN (SP). A escola dessa áreas seguiu critérios rigorosos, com a espessura do LNAPL, garantindo que apresentassem uma quantidade suficiente de fase livre para calcular a taxa de degradação do contaminante com maior precisão ao longo do tempo. Outro fato decisivo foi a proximidade dos poços de monitoramento, que permitiu a instalação de sensores de nível d’água, fundamentais para assegurar a precisão da modelagem matemática. Além disso, o tipo de contaminante presente em cada área foi cuidadosamente avaliado, permitindo ajustes computacionais essenciais antes da instalação do sistema.
5.1 REPAR
A primeira área operacional definida para a instalação do STMF foi no estado do Paraná, localizada na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR).
5.2 Miguel Pereira
A segunda área designada para a instalação do STMF encontra-se no estado do Rio de Janeiro, no município de Miguel Pereira. O local definido é caracterizado pela presença de um terreno com redes de tubulações para o transporte de derivados de petróleo. A escolha dessa área foi baseada em critérios técnicos que consideram a adequação do terreno e a compatibilidade com o STMF, bem como a relevância na remediação da área. Além disso, a localização oferece condições favoráveis para a implementação do sistema, facilitando a logística e a manutenção das operações.
5.3 RECAP
A terceira área escolhida para a instalação do STMF está localizada na Refinaria de Capuava (RECAP), em Mauá (SP). Esta unidade operacional foi selecionada por oferecer condições ideais para a implementação do STMF. Além disso, a área operacional oferece condições geológicas adequadas.
5.4 REPLAN
Adicionalmente, foi decidido que o primeiro protótipo instalado na Refinaria de Paulínia (REPLAN), em São Paulo, será substituído pelo sistema novo, que apresenta uma configuração com distribuição horizontal das células de fluxo de calor.
6. Referências
KULKARNI, P. R. et al. Impact of Temperature on Groundwater Source Attenuation Rates at Hydrocarbon Sites. Groundwater Monitoring and Remediation, v. 37, n. 3, p. 82–93, 1 jun. 2017. Disponível em: https:// ngwa.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdfdirect/10.1111/gwmr.12226.
SAITO, Hirotaka; ŠIMŮNEK, Jiri; MOHANTY, Binayak P. Numerical analysis of coupled water, vapor, and heat transport in the vadose zone. Vadose Zone Journal, v. 5, n. 2, p. 784-800, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.2136/vzj2006.0007.
SCHNEIDER, Marcio; GIACHINI, Admir; BAESSA, Marcus; FILHO, André; SORIANO, Adriana. Monitoramento e modelagem da temperatura como estratégia de baixo custo para demonstrar a atenuação natural de vazamentos onshore. In: RIO OIL & GAS EXPO AND CONFERENCE, 20., 2020, Rio de Janeiro. Proceedings of […]. Rio de Janeiro: IBP, 2020. n. 494. ISSN 2525-7739. Disponível em: https://doi.org/10.48072/2525-7579.rog.2020.494
STOCKWELL, E. B. Continuous NAPL loss rates using subsurface temperatures. 2015. Thesis (Master of Science) – Colorado State University, Colorado, 2015. Disponível em: http://hdl.handle.net/10217/167111.
SWEENEY, R. E.; RIRIE, G. T. Temperature as a tool to evaluate aerobic biodegradation in hydrocarbon contaminated soil. Groundwater Monitoring and Remediation, v. 34, n. 3, p. 41–50, 2014. Disponível em: https://ngwa.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdfdirect/10.1111/gwmr.12064.WARREN, E.; BEKINS, B. A. Relating subsurface temperature changes to microbial activity at a crude oil-contaminated site. Journal of Contaminant Hydrology, v. 182, p. 183–193, 1 nov. 2015. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0169772215300292.