SCBN

Bacias de Contenção

6. Estudos de caso

O estudo investigou e modelou matematicamente a condutividade hidráulica saturada de sedimentos argilosos percolados por água ou líquidos combustíveis automotivos nacionais. Utilizou-se dois tipos de argila (bentonita e caulinita) misturadas com areia em diferentes concentrações. Foram realizados 74 experimentos de fluxo com permeâmetros de paredes rígidas, utilizando seis líquidos diferentes e 13 composições de meios porosos.

6.1 Estudos de bancada

  • Caracterização dos Meios Porosos e dos Líquidos Percolados

Composição do Meio Poroso: A areia de duna usada provém da Região Metropolitana de Salvador, sem finos, de baixa superfície específica e baixa capacidade de cargas elétricas. Foi peneirada e tratada com ácido clorídrico e peróxido de hidrogênio. As argilas (bentonita e caulinita) foram adquiridas em Camaçari (BA). A bentonita é usada em lama de perfuração de poços e por análises de raios X e infravermelho, confirmou-se que os argilominerais predominantes eram esmectita (bentonita) e caulinita.

Curva granulométrica da areia de duna utilizada nos experimentos.

Análise Química das Argilas: As análises químicas mostraram que a caulinita tem valores médios de soma de bases e capacidade de troca catiônica (CTC), enquanto a bentonita tem valores altos para ambos. O pH da caulinita está correlacionado com um valor médio de CTC, e o pH da bentonita com um alto valor de CTC.

Análise química dos argilominerais.

Elementos analisadosCaulinitaBentonita
pH7,409,00
Ca2+ (mEq/100g)4,909,90
Mg2+ (mEq/100g)0,407,20
H++ Al3+ (mEq/100g)1,010,64
Matéria Orgânica (mEq/100g)0,000,00
Soma de bases – S (mEq/100g)5,6854,25
Capacidade de troca catiônica – CTC (mEq/100g)6,6954,89
Saturação de bases – V (%)85,0099,00

Propriedades Físicas dos Líquidos Percolados: As propriedades físicas dos líquidos (densidade, viscosidade e constante dielétrica) influenciam o fluxo saturado no meio poroso argiloso e a formulação da condutividade hidráulica saturada.

Características físicas dos líquidos determinadas em laboratório a 29°C.

LíquidosDensidade ρ (g/cm3)Viscosidade µ (cP)Mobilidade (ρ/µ)Constante dielétrica (-)
Água0,9954130,811,22980,08
Álcool0,8061851,240,65039,08
Gasolina com álcool (24%)0,7430230,541,3769,06
Gasolina pura0,7313980,401,8282,07
Óleo diesel0,8322943,750,2222,13
Tetracloreto de carbono1,5825490,851,8622,20
  • Permeabilidade das Amostras de Areia Pura

Foram realizados seis experimentos de condutividade hidráulica saturada (Ksat) com areia pura usando diferentes líquidos. A permeabilidade intrínseca da areia foi determinada pela equação de Nutting (1930). Os valores mostraram que a neutralidade eletroquímica dos grãos de areia mantém a permeabilidade intrínseca constante, independentemente das características físicas dos líquidos. A consistência do modelo foi confirmada pela semelhança entre os valores experimentais e calculados.

Condutividade hidráulica versus mobilidade dos líquidos para a areia.

  • Permeabilidade das Amostras com Bentonita

Os experimentos mostraram que a condutividade hidráulica saturada diminui com o aumento da concentração de bentonita, estabilizando-se acima de 40% de bentonita. Observou-se uma correlação entre a constante dielétrica dos líquidos e a condutividade hidráulica, com valores mais baixos para líquidos com constante dielétrica alta, como a água. A permeabilidade (k*) variou conforme a textura do solo e a propriedade dos líquidos percolantes, enfatizando que a permeabilidade (k*) em meios argilosos não é intrínseca como nos meios granulares. Para um mesmo líquido, uma maior fração de argila resulta em menor permeabilidade devido à maior interação entre o líquido e a superfície do argilomineral.

Curva de permeabilidade (k*) medida com os diversos líquidos versus o percentual de bentonita do meio.

  • Permeabilidade das Amostras com Caulinita

O estudo investigou a condutividade hidráulica saturada em meio poroso composto por areia e diferentes proporções de caulinita, em diversos líquidos. Acima de 40% de caulinita, os valores de Ksat permaneceram constantes, indicando que a influência da areia na hidrodinâmica é mínima. As curvas de condutividade foram mais similares entre si para a caulinita, sugerindo uma relação mais forte com a mobilidade dos líquidos do que com suas propriedades dielétricas. A permeabilidade, derivada desses valores, mostrou variações entre os líquidos utilizados. A presença de água diminuiu a permeabilidade devido à sua polaridade. O estudo destacou a ineficácia das medidas de permeabilidade à água para garantir a contenção de hidrocarbonetos em solos argilosos, sugerindo ensaios específicos para as substâncias químicas de interesse. Também mencionou o desenvolvimento de uma nova formulação matemática para prever derramamentos e determinar tempos de resposta adequados em planos de contingência ambiental.

Curva da condutividade hidráulica medida com os diversos líquidos versus o percentual de caulinita do meio.

Curva de permeabilidade (k*) medida com os diversos líquidos versus o percentual de caulinita do meio.

6.2 Terminais de armazenamento de petróleo e derivados

Este tópico apresenta os resultados dos estudos de Avaliação da Eficiência de Impermeabilização de Bacias de Contenção de Terminais de Armazenamento de Petróleo e Derivados, conduzidos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em colaboração com a Petrobras (Cenpes e Transpetro) entre 2004 e 2007. Foram coletadas amostras de solos de diques e bases de bacias de contenção de sete terminais de armazenamento de petróleo e derivados em diferentes regiões do Brasil.

  • Propriedades dos solos das bacias de contenção

Foi feita a caracterização mineralógica dos solos das bacias de contenção através de análises granulométricas e de raios X em 244 amostras coletadas de 63 bacias de contenção em sete terminais. Essas análises ajudaram a determinar a distribuição e quantidade de partículas presentes no solo, bem como identificar os argilominerais nas frações argilosas. Para avaliar como os líquidos percolados afetam o coeficiente de permeabilidade, foram realizados testes de permeabilidade em amostras indeformadas de solo, percolando água e os produtos armazenados nos tanques.

Caracterização das instalações e número de amostras de solo coletadas de cada terminal estudado.

TerminalProdutos armazenados nos tanquesÁrea das instalações (ha)Área das bacias* (ha)Número de baciasNúmero das amostras de solo
ADiesel, Gasolina, Petróleo e Óleo Combustível47131648
BDiesel e Óleo Combustível30588
CÁlcool, Diesel e Gasolina121522
DDiesel, Gasolina, Lubrificantes, Nafta e QVA3661140
EGasolina, Gasóleo e Óleo Combustível3691148
FÁlcool Anidro, Álcool Hidratado, Diesel, Gasolina e Óleo Combustível281641
GDiesel, Diesel Marítimo, Gasolina, Metanol, MTBE, Marine Fuel e Óleo Combustível245637
TOTAL2133963244
*Áreas úteis de impermeabilização das bacias de contenção, desconsiderando as áreas ocupadas pelos tanques.

Granulometria dos solos: Os solos das bacias de contenção variavam em granulometria e textura. Predominavam amostras com mais areia do que finos, com alguns extremos de areia de 10% a quase 100%. A fração de argila era geralmente baixa, variando de 0% a 59%. As texturas mais comuns eram as leves, como areia e franco-arenosa, enquanto as pesadas eram menos frequentes. Cada terminal tinha sua própria composição de solos, com variações notáveis. No Terminal G, por exemplo, os solos nos diques de contenção eram mais argilosos, enquanto nas bases predominavam os solos arenosos. Essas diferenças podem ser atribuídas ao uso de solos locais na construção das bacias.

Resultado das análises granulométricas gerais categorizadas por terminal.

Distribuição de frequências de textura das amostras de solo discriminadas por terminal.

Argilominerais presentes nos solos das bacias de contenção: As análises de raios X identificaram diversos argilominerais nos solos das bacias de contenção, como caulinita, ilita, vermiculita, e outros. A caulinita e a ilita estavam presentes na maioria dos solos. Cerca de 65% das amostras continham argilominerais expansivos, como esmectita e I/S. A esmectita, detectada em apenas 3% das amostras, influencia fortemente na expansibilidade dos solos. O I/S foi identificado em 28% das amostras, especialmente nos solos dos terminais C e D. A vermiculita estava em metade das amostras, exceto nos terminais B e C. Mesmo argilominerais pouco expansivos, como a caulinita, podem afetar os coeficientes de permeabilidade tanto para água quanto para líquidos orgânicos.

Frequência de solos e argilominerais expansivos presentes em cada terminal.

TerminalN° de amostrasSolos expansivosVermiculitaI/SEsmectita
Geral24465,2%50,4%28,3%2,9%
A4866,7%66,7%0,0%0,0%
B862,5%12,5%1,2%50,0%
C22100%4,5%100%0,0%
D4095,0%92,5%95%0,0%
E4839,6%29,2%10,4%2,0%
F4141,5%36,6%4,9%0,0%
G3767,6%62,2%5,4%5,4%

Resultados das análises granulométricas dos solos do Terminal G categorizado em amostras coletadas nas bacias de contenção.

Distribuição de frequência de texturas de amostras de solo do Terminal G, categorizada em amostras coletadas nas bacias de contenção.

Coeficiente de permeabilidade nos solos das bacias de contenção: Foram determinados os coeficientes de permeabilidade (K) de 240 amostras de solo às substâncias armazenadas nos tanques e de 158 amostras à água, com 112 amostras tendo valores de K para ambos. Os coeficientes de permeabilidade variaram consideravelmente (cinco ordens de grandeza), principalmente devido às características dos líquidos e à diversidade mineralógica dos solos. Os produtos leves tendiam a ter valores de K semelhantes à água, enquanto os pesados apresentavam valores significativamente menores. A presença de argilominerais influenciava os valores de K, especialmente em solos percolados por água e líquidos orgânicos. A textura do solo também afetava os coeficientes de permeabilidade, com solos médios tendo eficiência similar à dos solos argilosos na contenção de produtos leves. Conclui-se que os critérios de impermeabilização baseados apenas no coeficiente de permeabilidade à água podem não ser adequados, sendo necessário considerar diversas variáveis para uma avaliação eficaz.

Resultado dos coeficientes de permeabilidade de produtos leves, categorizados por terminal.

Resultados dos coeficientes de permeabilidade dos solos percolados tanto por diesel quanto por água. A) Solo contendo argilominerais expansivos. B) Solo contendo argilominerais pouco expansivos.

Resultados dos coeficientes de permeabilidade (K), categorizados tanto pelo tipo de produto percolado (água, leves, pesados) quanto pela textura do solo.

6.3 Avaliação da eficiência de impermeabilização de bacias de contenção

  • Critérios para impermeabilização das bacias de contenção

As bacias de contenção, estruturas amplas construídas para conter vazamentos de líquidos orgânicos, podem representar riscos à saúde e ao ambiente em caso de derramamentos. Os produtos derramados podem formar uma coluna líquida na superfície da bacia e infiltrar-se no solo, alcançando o lençol freático. A mobilidade e dispersão desses produtos dependem de diversos fatores, como a densidade, solubilidade e características do solo. A avaliação de riscos é crucial para determinar metas de remediação e priorizar áreas afetadas. As regulamentações como o Registro Federal 40 CFR 112 da USEPA fornecem diretrizes, mas a adequação das bacias depende das propriedades dos produtos armazenados e do tipo de solo. Compreender a hidrodinâmica dos produtos no solo é essencial para planos de contingência eficazes e para estimar a profundidade da contaminação em caso de vazamento.

Contaminação da superfície por derramamento de petróleo e derivados em bacias de contenção de terminais de armazenamento.

  • Exemplo de aplicação

O estudo exemplifica a avaliação da eficácia de impermeabilização de uma bacia de contenção, levando em conta suas características específicas. Utilizando o modelo matemático HSSM, são simulados os cenários de contaminação do solo e água subterrânea em caso de vazamentos de derivados de petróleo. As simulações mostram que, em quatro dias, cerca de 60 cm de solo seriam contaminados com gasolina e 20 cm com diesel, enquanto o óleo combustível apresenta baixo potencial de migração. No entanto, o modelo pode subestimar a extensão da contaminação em solos argilosos expansivos. A norma NBR 17505-2:2015 recomenda coeficientes de permeabilidade à água para bacias de contenção, mas a avaliação da eficiência de impermeabilização não deve se basear apenas nisso, pois as características do solo e do produto armazenado afetam a propagação dos contaminantes. Medidas alternativas, como mudar as características do solo, substituir o produto ou investir em estruturas de contingência, podem ser mais eficazes e econômicas do que medidas convencionais de impermeabilização.

Cenários simulados com perfil de infiltração utilizado no modelo HSSM, exemplificando os conceitos de frente de migração empregados.