2.3 Biodegradação
O termo biodegradação é frequentemente utilizado para descrever uma variedade de processos biológicos nos quais os microrganismos transformam os contaminantes orgânicos em produtos metabólicos. Estas transformações dependem das características hidroquímicas, geoquímicas, da população microbiana e das propriedades dos contaminantes (CHAPELLE, 1993). A biodegradação pode ocorrer através de reações facilitadas por microrganismos, dependendo da disponibilidade dos receptores de elétrons, como oxigênio, nitrato, manganês, ferro, sulfato e dióxido de carbono. Visto que a rota aeróbia é a mais favorável em termos de ganhos energéticos para os microrganismos, o oxigênio é rapidamente esgotado, cedendo lugar às vias facultativas e anaeróbias de biodegradação, que preponderam na zona da fonte, na qual os altos teores de contaminantes demandam também elevadas concentrações de receptores de elétrons. Assim, o monitoramento dos produtos de biodegradação, bem como a elevação de temperatura causada pela intensa atividade microbiana são fortes indicativos da ocorrência de NSZD.
Os biocombustíveis, como os ésteres metílicos de ácidos graxos (FAME) incluindo etanol e butanol, ao contrário dos combustíveis convencionais, têm estruturas simples e são prontamente biodegradáveis sob condições aeróbicas e anaeróbicas (CORSEUIL et al., 1998; LOVANH; HUNT; ALVAREZ, 2002; FERIS et al., 2008). Por essa razão, águas subterrâneas contaminadas com biocombustíveis exibem plumas de contaminação de menor extensão e de curta longevidade, em contraposição às plumas de contaminação formadas a partir de vazamentos de combustíveis convencionais.
A biodegradação relativamente rápida e onipresente de biocombustíveis no solo e nas águas subterrâneas induz mudanças nos ambientes biológicos e geoquímicos, como a estimulação de microrganismos, a disponibilidade de receptores de elétrons e a produção de biomassa/exsudatos e metano. Entretanto, altas concentrações de etanol podem inibir a biodegradação, com níveis inibitórios variando de 6% a 10% (v/v), relatados de estudos de microcosmo (INGRAM; BUTTKE, 1985; HEIPIEPER; DE BONT, 1994; NELSON; LAPARA; NOVAK, 2010).
A degradação microbiana de compostos de biocombustíveis pode resultar em mineralização completa de metano ou dióxido de carbono. Este processo é complexo e envolve a interação de vários grupos de bactérias que podem gerar diferentes metabólitos, como os ácidos graxos voláteis (AGV), que incluem o acetato, propionato, butirato e lactato (SCHINK, 1997). A produção de AGV pode potencialmente diminuir o pH dependendo da capacidade de tamponamento do aquífero. A atividade microbiana pode ser interrompida quando o pH é < 6 (MADIGAN; MARTINKO, 2006).
Em cenários de vazamentos, em que um biocombustível altamente solúvel e biodegradável atinge as águas subterrâneas, a rápida biodegradação induz as condições anaeróbias. Durante este tempo, outros compostos como nitrato, ferro, sulfato e dióxido de carbono servem como receptores de elétrons. Os metabólitos da biodegradação de biocombustíveis também demandam oxigênio, como o metano na biodegradação do etanol. Essa demanda adicional de oxigênio pode reduzir as taxas de bioatenuação de hidrocarbonetos de petróleo em ambientes saturados e insaturados perto das zonas da fonte, potencialmente permitindo que os vapores de petróleo migrem tanto horizontalmente quanto verticalmente (JEWELL; WILSON, 2011).
O vazamento de etanol em águas subterrâneas de pouca profundidade torna susceptível a produção de lodos de cor escura que contêm exsudatos microbianos perto do lençol freático onde os biocombustíveis são rapidamente metabolizados por organismos aeróbicos e anaeróbicos (GHOSE; BHADRA, 1985; CONSTANTIN; FICK, 1997; KHAN; SPALDING, 2003). Esses lodos foram observados em núcleos de solo contaminados por etanol e podem encapsular altas concentrações de etanol na franja capilar, preservando-os por vários anos (SPALDING et al., 2011). Já a alta densidade de organismos crescendo na zona da fonte leva à redução do transporte de etanol e favorece a degradação dos contaminantes nas águas subterrâneas.
Comparação das propriedades dos componentes de combustível selecionados.
Densidade (ρ) (g/cm3) | Solubilidade Aquosa(25°C, mg/L) | Constante de Henry,H (sem unidade) | LogKowa | Pressão de vapor a 25ºC(mm Hg) | Potencial de biodegradação | Implicações | |
Etanol | 0,79 | Infinita | 2,1×10-4 a 2,6×10-4 | -0,16 a -0,31 | 59 | Aeróbio: dias-semanas Anaeróbio: semanas-meses | Particiona facilmente em água. |
Butanol | 0,81 | 7,40×104 a 8,7×104 | 3,7×10-4 a 5,0×10-4 | 0,83 a 0,88 | 0,42 a 11,8 | Aeróbio: dias-semanas Anaeróbio: semanas-meses | Baixa volatilidade na fase aquosa. |
Benzeno | 0,88 | 1,8×103 | 0,22 | 2,13 | 75 | Aeróbio: semanas- meses Anaeróbio: anos | Particiona facilmente para a fase de vapor. |
Biodiesel (FAME) | 0,84 a 0,90 | 1,2×103 a 2,1×10-2 | 6,4×10-3 a 1,3 | 6,29 a 8,35 | 8,63×10-6 a 3,74×10-4 | Aeróbio: dias-semanas Anaeróbio: semanas-meses | Baixa mobilidade em solo/ sedimento. Baixa volatilização para liberação em superfícies. |
Diesel | 0,87 a 0,95 | 5,0 | 2,4×10-3 a 3,0×102 | 3,3 a 7,06 | 2,12 a 26,4 | Aeróbio: semanas-meses Anaeróbio: anos | Volatilidade moderada para a fase aquosa. Baixa mobilidade em solo/ sedimento. |